O boleto, o controle e a paciência
Num tópico do ano passado, comentei que dívida é um negócio bem TDAH: você parcela uma conta em doze vezes e na terceira você já perdeu o controle, o boleto e a paciência.
Tenho certeza de que muita gente aqui se identificou com isso e hoje em dia se vê numa sinuca de bico. Mais ou menos como naquela historinha do cara que, com tanta dívida que tinha, todos os meses colocava o nome dos seus credores numa caixinha e sorteava dois que seriam os premiados da vez. Se o seu nome não apareceu desta vez, amigo credor, paciência, espere até o próximo mês, quem sabe você não será contemplado?
Minha situação posso dizer que estava próxima disso. E tudo começou com o bendito audiômetro, em 2006, quando cismei que ia ser fonoaudióloga (me formei no fim de 2004), sabe...
Peguei o audiômetro por um empréstimo do Banco do Brasil chamado Proger - Programa de Geração de Emprego e Renda. O problema desse programa é só um: se você não está familiarizado com taxas de juros, Selic, TR e o escambau, você não consegue entender o porquê de tanta variação na prestação do mês seguinte. Se você tem de onde tirar, beleza, você consegue pagar. Mas se sua renda depende única e exclusivamente dele, e você ainda está crescendo na profissão, tenha cuidado e faça uma reserva, porque embora os juros sejam mais baixos, o valor das prestações é muito discrepante de um mês para o outro. O Proger é ótimo, mas para profissões que realmente vão dar dinheiro e render um retorno mais rápido, o que não é o caso da fonoaudiologia.
Pois é, entrei no seguinte problema: não consigo prever o que vou pagar e prefiro pagar um empréstimo com juros mais altos, assim pelo menos eu tenho certeza do que vou pagar no mês que vem. Estava formado o meu calvário: fazer uma dívida para pagar a outra. Peguei um empréstimo numa financeira e paguei o BB.
Aí parcelei esta em vinte e quatro vezes. Na sexta parcela, voltei para o BB e peguei mais um tanto bom de dinheiro no CDC, porque minhas outras contas também estavam pedindo socorro. E fui pegando mais e mais vezes empréstimos menores, porque eu não tinha controle sobre o que ganhava nem sobre o que gastava. Minha dívida mais que dobrou em um período de oito meses. O que eram vinte e quatro agora tinham virado cinquenta parcelas.
Nesse ínterim já havia abandonado a fonoaudiologia porque em 2008 fui chamada a trabalhar numa empresa para a qual prestei concurso ainda em 2004. Minha sócia na clínica também foi chamada num concurso no meio de 2010 (ela ainda usava o audiômetro lá) e assim dissolvemos a sociedade, e eu fiquei com aquele elefante branco empacado na minha casa.
Fui estudar engenharia, mas só paguei a taxa de matrícula mesmo. Com o dinheiro que deveria ter pagado as mensalidades, viajei de férias e fiquei um mês no exterior, no início do ano passado. Voltei devendo quatro cartões de crédito além do BB.
Não bastassem essas contas todas, eu começo a namorar um moço do interior de Minas. Ele é maravilhoso, um amor de pessoa, só que eu ia ter que desembolsar uma grana para vê-lo pelo menos de quinze em quinze dias. Mas, olha, sacrifício que valeu a pena foi este, viu... Porque a minha dificuldade em dar sequência nas coisas era grande, achei que namorar à distância seria um bom exercício. Mesmo assim, no fundo eu sabia que poderia me cansar da rotina de ir e vir, daí procurei tratamento, como contado nos posts da flauta e da carta à chefe. Não poderia deixar minha chance de ser feliz ir por água abaixo.
Eu sabia que era metódica, mas não conseguia dar sequência a tudo o que começava. A ritalina me proporcionou não só autocontrole, mas também autoconhecimento. Minhas dívidas assustaram até o psiquiatra, que deve estar acostumado a ouvir relatos do gênero todos os dias. Tomei uma atitude naquele dia da primeira consulta: poria minha vida em ordem. E foi o que eu fiz quando saí dali: montei uma planilha no Excel, detalhando tudo o que eu devia e com suas datas de vencimento.
O negócio foi ficando legal e a planilha cada vez mais completa. O que era um simples planejamento virou um fluxo de caixa pessoal. Agora é tudo separado por mês, bonitinho. Sempre que posso dou uma mexida nela, acrescento uma referência, uma fórmula nova, ficou ótima. Quem quiser, só me pedir que mando por e-mail, ela é autoexplicativa.
Consegui vender o audiômetro em janeiro deste ano, gente! Tirei férias também e isso me ajudou ainda mais, porque, com grana em caixa, ficava mais fácil guardar um pouco e quitar os residuais. Acreditem, meu nome não foi para o SPC.
Meu psiquiatra inclusive me aconselhou a matar primeiro as dívidas cujos juros eram mais altos, e eu segui à risca. Está dando certo. Em dez meses, graças a esse autocontrole que eu não tinha, reduzi em 61% o total das minhas dívidas. Hoje abro esta planilha com satisfação, porque sei exatamente quanto ganho e com quanto posso contar por mês e por dia, e já não perco mais os boletos, o controle e nem a paciência. Desta forma, extremamente organizada, meu objetivo é eliminar o restante das dívidas ainda este ano.
Ah, o moço do interior? Continua me fazendo feliz até hoje. ;-)
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