'Tá me desafiando, é?

Cada vez que vou me recordando de uma história, agora consigo fazer a associação entre o ocorrido e algum sintoma do TDAH. Incrivelmente não sei até hoje como estou viva, talvez eu tenha transtorno opositor e nunca tenha observado.

No dia em que a minha gerente me chamou para fazer parte da equipe dela, perguntei, à queima-roupa, com a cara mais satisfeita do mundo: “a senhora está me desafiando?”, ou seja, “está me propondo algo que eu tenha que superar?” Ela disse que sim, e então respondi: “eu topo.”

Bom, este pelo menos foi um desafio positivo. Como já tinha comentado aqui antes, eu era muito movida a desafios. Sempre buscava algo que me desse uma recompensa imediata, de forma que acabava por provar que era boa naquilo. Mas também isso tinha um preço altíssimo: se eu não conseguisse, a frustração que tomava conta de mim era tão grande que eu me achava uma inútil, e até mesmo uma fraude (conf. @anabeatrizpsi, em “Mentes Inquietas”. Aquela estudante de fonoaudiologia do primeiro capítulo era eu, só pode!).

Outra vez em que o desafio foi positivo foi quando fiz vestibular. Vou lá ver qual é a desse “cara” de que as pessoas têm tanto medo. Acreditem, passei de primeira, sem cursinho, na UFMG, a universidade mais difícil de entrar que tem aqui em Minas. Estava até conversando com uma amiga estes dias: ela me contou que está trabalhando com crianças TDAH e quase caiu para trás quando lhe contei que eu também era e agora estava fazendo uso da medicação. Ela não acreditou, pois como eu consegui ser cefetiana e depois ir para a UFMG assim?

Fato é que a minha estratégia de aprendizagem sempre se baseou em dois princípios: memória e desafio. Memória (cognição, para ser mais exata) porque retenho facilmente o que me é ensinado, basta que me expliquem uma única vez – e assim sobra(va) mais tempo para fazer bagunça. Desafio porque, se alguém dissesse que eu era incapaz de algo, eu ia lá e fazia só de raiva. Minha mãe, coitada, sem querer acabou alimentando isso, às vezes acho que foi positivo, porque os muitos elogios e o estímulo para seguir em frente foram fundamentais; em compensação, fiquei movida a eles e foi meio chocante descobrir que o mundo não era igual à minha mãe. Não parei em diversos empregos e pensei várias vezes em desistir dos cursos que comecei. E de alguns eu desisti mesmo por sentir que não iria conseguir fazer nada direito, e outros porque não achava o respaldo positivo que minha mãe aplicava comigo.

Ah, mas teve um episódio em que desafiar alguém quase resultou na minha morte. Nunca fui de sofrer calada nem de levar desaforo para casa. Aí comprava briga, claro.

Em 2005, eu namorava um rapaz gordinho (adoro, viu, haha), e estávamos numa lanchonete no bairro Funcionários. Sentou-se na mesa ao nosso lado um rapaz conhecido na noite de BH, não sei filho de quem é, mas ele se acha! De vez em quando topo com ele por aí, porém finjo que não vejo e sigo meu caminho. Bom, esse rapaz se sentou ali e começou a falar sozinho, baixo, e foi aumentando o volume da voz, até que culminou na seguinte frase: “tem que acabar com esses gordos, essa geração nojenta que come toda a comida do mundo!” Bati na mesa já tirando satisfação: “O que foi que você disse?” Detalhe: eu, metro e meio; o cara, uns dois metros. Sabe pinscher metido a pitbull? Pois é...

Aí foi uma sequência de gritos e bate-boca, meu namorado se interpôs entre mim e o cara para impedir que ele me batesse. Só que não aconteceu nada, o cara estava tão drogado que, ao tentar se equilibrar, caiu sobre uma cadeira, no que foi prontamente ajudado pelo meu namorado mesmo. Do nada, surgiu um outro sujeito, não sei de onde, que já chegou defendendo o cara e querendo me bater, me dando empurrões. E eu gritava: “tira a mão de mim!” E falei ainda que ele não era de nada. Ele só devolveu o desafio: “ah, é?” Saiu da loja e foi até o carro, em que estavam três crianças. Arrancou o veículo, do qual tive tempo de anotar a placa, e saiu em disparada. Pensei: “fodeu! Agora ele vai voltar com uma arma!” Saímos da loja voando e não voltamos mais lá tão cedo. Aliás, nunca mais voltei lá.

Vinte minutos depois, ligamos para a loja, que é de um conhecido nosso, para saber se o cara tinha retornado. Sim, ele retornou. De arma em punho, sem as crianças e babando feito um cão bravo, perguntando por nós dois.

Tive a curiosidade de pesquisar depois de quem era o carro. Pertencia ao Consulado da Índia. Mas de diplomata o cara que o estava dirigindo não tinha absolutamente nada.

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A ficha caiu

...ou “tudo o que você queria dizer para o seu chefe e 'tá sem coragem.”

Chorei a tarde inteira de ódio de mim mesma. Retornei ao psiquatra semana passada e expliquei-lhe que agora sim entendo por que as pessoas que iniciam um tratamento medicamentoso devem fazer terapia: a ficha uma hora cai. É muito chocante defrontar-se com as merdas que você fazia antes e agora se vê obrigado a consertar tudo e sofrer, por causa disso, um puta preconceito. Então aqui vai uma forma de protesto, tudo o que eu queria dizer à minha gerente e não vou dizer. Nem é questão de ter coragem, porque saber que eu sofro(ia) de TDAH ela sabe, mas é porque não foi ela que mandou cortar minha internet, e sim minhas próprias colegas de departamento. Então elas que peçam de volta. Ah, leiam que vocês vão entender.

“Querida chefe,

Como é de seu conhecimento, sou portadora do Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), que é um transtorno neurobiológico, de causas genéticas, que aparece na infância e frequentemente acompanha o indivíduo por toda a sua vida. Ele se caracteriza por sintomas de desatenção, inquietude e impulsividade. É reconhecido oficialmente por vários países e pela Organização Mundial da Saúde (OMS), sendo o transtorno mais comum em crianças e adolescentes encaminhados para serviços especializados, e ocorre em 3 a 5% das crianças em várias regiões diferentes do mundo em que já foi pesquisado. Em mais da metade dos casos o transtorno acompanha o indivíduo na vida adulta, embora os sintomas de inquietude sejam mais brandos.

O portador de TDAH tem dificuldade para realizar sozinho suas tarefas, principalmente quando são muitas, e o tempo todo precisa ser lembrado pelos outros sobre o que tem para fazer. Isso tudo pode causar problemas na faculdade, no trabalho ou nos relacionamentos com outras pessoas. A persistência nas tarefas também pode ser difícil para o portador de TDAH, que frequentemente “deixa as coisas pela metade”. Muito inquieto, comete muitos erros em atividades que exigem concentração; é desorganizado, inconstante, desastrado, impaciente, não cumpre compromissos, perde prazos, se distrai facilmente, não fica parado, toma decisões precipitadas, tem dificuldade para manter relacionamentos e perde o interesse rapidamente. Por causa disso, desenvolvem uma intolerância grande à crítica e ficam deprimidos por não conseguirem cumprir suas tarefas. Foi o que ocorreu comigo em março deste ano: ficava entristecida e não conseguia conversar com ninguém. Não tive ânimo para comemorar meu aniversário, coisa que sempre gostei de fazer. E isso não tinha absolutamente nada a ver com amigos virtuais, já que igualmente não conversava com eles. Era algo interno, uma tristeza enorme e uma tamanha sensação de 'eu sou uma inútil' que só quem vive é capaz de entender. Aliado ao preconceito que sofro aqui, o TDAH é algo devastador na vida de uma pessoa: quem não tem não entende, acha que a pessoa é assim porque quer.

Cheguei a um ponto em que estive à beira da loucura e, conforme sugestão desta própria gerência na reunião com o departamento realizada em 26 de março, procurei o auxílio de um psiquiatra, com o qual estou em tratamento desde o dia 12 de maio. A propósito, nesta humilhante reunião inclusive me foi imposta a pena de ficar dois meses sem internet por causa de uma das comorbidades relacionadas ao TDAH, que é justamente a labilidade emocional.

Participei de uma feira fora de Minas Gerais nos dias 18 a 20 de maio, já utilizando a medicação, e foi visível a melhora do meu desempenho no trabalho. A senhora me elogiou. Minhas coisas estão em dia, minha mesa limpa e minhas anotações organizadas. Hoje em dia, quando a senhora vem com o milho, eu já estou com a polenta pronta há muito tempo. Não há nenhum cliente que se queixe comigo de que eu demorei para dar uma resposta.

No entanto, atualmente, é constrangedor e infantil interromper minhas colegas de trabalho para utilizar seus computadores quando preciso de uma informação rápida, especialmente se estou com um cliente ao telefone. O antivírus do meu computador não foi mais atualizado pelo fato de não haver espécie alguma de conexão à rede. Isto quer dizer que, se colocarem um pen drive infectado no meu computador, poderá ser disseminado, sem intenção, algum um vírus por meio da rede interna da empresa. Também já deixei de receber correspondências eletrônicas de inúmeros clientes, pois o filtro de spam do nosso sistema é um tanto quanto seletivo com o que não deveria. Perco contatos e respostas por não conseguir checar essas informações no webmail, pois, para tentar resgatá-las, devo acessá-lo e não tenho como fazê-lo, já que não possuo acesso à internet na minha estação de trabalho. Os softwares que necessitam de atualização estão defasados desde março. Ademais, o prazo de me deixar dois meses sem internet venceu em 26 de maio, ou seja, estou ainda sob o jugo de algo passado, sendo condenada por coisas que hoje já não fazem diferença, tampouco sentido, e que já consegui superar.

Não pretendo, contudo, despertar piedade nas pessoas, sobretudo na senhora. Por mim, uma pessoa que trabalha e a quem agrada tanto o conhecimento, pena é o último sentimento que gostaria que tivessem. Apenas apresento a informação, de forma que esse conhecimento possa ser útil não somente no fornecimento de ferramentas para a execução correta do meu trabalho, mas que possa servir para identificar e auxiliar outros que porventura estejam passando por problema semelhante.

Portanto, peço gentilmente que seja religada minha conexão à internet, de forma que, com o uso correto da informação e aproveitando meus conhecimentos, eu possa contribuir ainda mais para o contínuo crescimento – que sei que ajudei a construir – desta empresa, ampliando os nossos contatos e horizontes de atuação."

Fontes:

http://www.tdah.org.br/index.php?option=com_k2&view=item&layout=item&id=11&Itemid=116&lang=br
http://www.tdah.org.br/br/sobre-tdah/quadro-clinico.html
http://www.tdahi.com.br
http://pt.wikipedia.org/wiki/Transtorno_do_d%C3%A9ficit_de_aten%C3%A7%C3%A3o_com_hiperatividade

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Nossa bobagem de cada dia:

A minha bobagem é sem ritalina mesmo, porque sóbria é mais gostoso de se fazer as coisas. Por isso resolvi começar o meu dia com uma oração.

“Pai nosso que está nos céu, meu pai não é piloto, ele é mecânico. Santificado seja o vosso nome, venha a nós o vosso reino. Complicado isso, fica parecendo aquelas conquistas medievais, um rei invadindo o reino do outro, castelo, dragão, princesa... Onde eu estava mesmo? Ah, sim, seja feita a vossa vontade, assim na terra como no céu. É, piloto quando está em terra, fala de avião, quando está em vôo fala de mulher. Bobagem danada, gente. Eu queria a uma hora dessa estar em comando para ver na prática mesmo o nível de cruzeiro. Por isso que atleticano nunca é piloto, para não ter que se manter em nível de Cruzeiro. A propósito, o jogo do América foi ótimo, pena que o juiz tenha roubado tanto. Tadinho do Mequinha, tão injustiçado! Nossa, viajei. O pão nosso de cada dia nos dai hoje... Putz! Lembrei que tenho que pagar o seu Manoel da padaria! Ah, não faz mal, amanhã eu vou lá e aproveito para fazer a unha com a dona Judite. Só que os esmaltes dela estão ruins, vou sugerir comprar uns novos, tem umas cores bonitas que saíram estes dias, última moda. Ah... ahmmm... é... ta. Amém.”

Texto por Glaucia Piazzi

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